O empresário Marcos Valério
Fernandes de Souza disse no depoimento prestado em setembro à
Procuradoria-Geral da República que o esquema do mensalão ajudou a bancar
"despesas pessoais" de Luiz Inácio Lula da Silva. Em meio a uma série
de acusações, também afirmou que o ex-presidente deu "ok", em reunião
dentro do Palácio do Planalto, para os empréstimos bancários que viriam a
irrigar os pagamentos de deputados da base aliada.
Valério ainda afirmou que Lula
atuou a fim de obter dinheiro da Portugal Telecom para o PT. Disse que seus
advogados são pagos pelo partido. Também deu detalhes de uma suposta ameaça de
morte que teria recebido de Paulo Okamotto, ex-integrante do governo que hoje
dirige o instituto do ex-presidente, além de ter relatado a montagem de uma
suposta "blindagem" de petistas contra denúncias de corrupção em
Santo André na gestão Celso Daniel. Por fim, acusou outros políticos de terem
sido beneficiados pelo chamado valerioduto, entre eles o senador Humberto Costa
(PT-PE).
A existência do depoimento com
novas acusações do empresário mineiro foi revelada pelo Estado em 1.º de
novembro. Após ser condenado pelo Supremo como o "operador" do
mensalão, Valério procurou voluntariamente a Procuradoria-Geral da República.
Queria, em troca do novo depoimento e de mais informações de que ainda afirma
dispor , obter proteção e redução de sua pena. A oitiva ocorreu no dia 24 de
setembro em Brasília - começou às 9h30 e terminou três horas e meia depois; 13
páginas foram preenchidas com as declarações do empresário, cujos detalhes eram
mantidos em segredo até agora.
O Estado teve acesso à íntegra do
depoimento, assinado pelo advogado do empresário, o criminalista Marcelo
Leonardo, pela subprocuradora da República Cláudia Sampaio e pela procuradora
da República Raquel Branquinho.
Valério disse ter passado
dinheiro para Lula arcar com "gastos pessoais" bem no início de 2003,
quando o petista já havia assumido a Presidência. Os recursos foram
depositados, segundo o empresário, na conta da empresa de segurança Caso, de
propriedade do ex-assessor da Presidência Freud Godoy, uma espécie de
"faz-tudo" de Lula.
O operador do mensalão afirmou
ter havido dois repasses, mas só especificou um deles, de aproximadamente R$
100 mil. Ao investigar o mensalão, a CPI dos Correios detectou, em 2005, um
pagamento feito pela SMPB, agência de publicidade de Valério, à empresa de
Freud. O depósito foi feito, segundo dados do sigilo quebrado pela comissão, em
21 e janeiro de 2003, no valor de R$ 98.500.
Segundo o depoimento de Valério,
o dinheiro tinha Lula como destinatário. Não há detalhes sobre quais seriam os
"gastos pessoais" do ex-presidente.
Ainda segundo o depoimento de
setembro, Lula deu o "ok" para que as empresas de Valério pegassem
empréstimos com os bancos BMG e Rural. Segundo concluiu o Supremo, as operações
foram fraudulentas e o dinheiro, usado para comprar apoio político no Congresso
no primeiro mandato do petista na Presidência.
No relato feito ao Ministério Público,
Valério afirmou que no início de 2003 se reuniu com o então ministro da Casa
Civil, José Dirceu, e o tesoureiro do PT à época, Delúbio Soares, no segundo
andar do Palácio do Planalto, numa sala que ele descreveu como
"ampla" que servia para "reuniões" e, às vezes, "para
refeições".
Ao longo dessa reunião, Dirceu
teria afirmado que Delúbio, quando negociava com Valério, falava em seu nome e
em nome de Lula. E acertaram, ainda segundo Valério, os empréstimos.
Nessa primeira etapa, Dirceu
teria autorizado o empresário a pegar até R$ 10 milhões emprestados. Terminada
a reunião, contou Valério, os três subiram por uma escada que levava ao
gabinete de Lula. Lá, na presença do presidente, passaram três minutos. O
empresário contou que o acerto firmado minutos antes foi relatado a Lula, que
teria dito "ok".
Dias depois, Valério relatou ter
procurado José Roberto Salgado, dirigente do Banco Rural, para falar do
assunto. Disse nessa conversa que Dirceu, seguindo orientação de Lula, havia
garantido que o empréstimo seria honrado. A operação foi feita. Valério conta
no depoimento que, esgotado o limite de R$ 10 milhões, uma nova reunião foi
marcada no Palácio do Planalto. Dirceu o teria autorizado a pegar mais R$ 12
milhões emprestados.
Portugal Telecom. Em outro
episódio avaliado pelo STF, Lula foi novamente colocado como protagonista por
Valério. Segundo o empresário, o ex-presidente negociou com Miguel Horta, então
presidente da Portugal Telecom, o repasse de recursos para o PT. Segundo
Valério, Lula e o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reuniram-se com
Miguel Horta no Planalto e combinaram que uma fornecedora da Portugal Telecom
em Macau, na China, transferiria R$ 7 milhões para o PT. O dinheiro, conforme
Valério, entrou pelas contas de publicitários que prestaram serviços para
campanhas petistas.
As negociações com a Portugal
Telecom estariam por trás da viagem feita em 2005 a Portugal por Valério, seu
ex-advogado Rogério Tolentino, e o ex-secretário do PTB Emerson Palmieri.
Segundo o presidente do PTB,
Roberto Jefferson, Dirceu havia incumbido Valério de ir a Portugal para
negociar a doação de recursos da Portugal Telecom para o PT e o PTB. Essa
missão e os depoimentos de Jefferson e Palmieri foram usados para comprovar o
envolvimento de José Dirceu no mensalão.
Fonte: Estadão
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