quarta-feira, 17 de junho de 2015

Estatuto garante melhorias na vida das pessoas com deficiência


Um conjunto de medidas que pode melhorar a vida de 47 milhões de pessoas com deficiência no país está prestes a virar realidade. Aprovado na última quarta-feira (10) pelo Senado, o Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei Brasileira de Inclusão – foi encaminhado à presidente Dilma Rousseff para transformá-lo em lei. Ela tem 15 dias para isso.
De autoria do senador Paulo Paim (PT), a proposta rendeu um arrastado debate no Congresso Nacional: cinco anos de preparação com 1,5 mil reuniões e mais 15 anos de tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado até a aprovação. “Se há um projeto, dos mil que apresentei, que tenho o maior orgulho de ter participado da votação é o Estatuto da Pessoa com Deficiência” – afirmou Paim, que teve o auxílio de dois assessores cegos – Luciano Campos e Santos Fagundes – na busca de subsídios para elaboração do projeto e no acompanhamento das audiências públicas realizadas pelo país.
Já o relator do projeto no Senado, o ex-jogador Romário, tem uma história pessoal que reforça o interesse pelo tema. “Este é um dia mais que especial, não só para o Senado, não só para um pai que tem uma filha com deficiência, todos sabem da minha Ivy, uma princesa de 10 anos, mas para o país. Acredito que vamos ter a oportunidade de melhorar a qualidade de vida de mais de 50 milhões de pessoas”, afirmou emocionado no dia da aprovação no Senado, referindo-se à filha que tem síndrome de Down.
Políticas públicas abrangentes
O estatuto prevê uma série de políticas públicas (leia mais abaixo) em diferentes áreas como educação, saúde, mobilidade, cultura, lazer, cidadania e trabalho. Ao mesmo tempo, a proposta traz um conjunto de inovações comparadas às legislações atuais sobre o tema.
Uma delas é em relação ao conceito de pessoa com deficiência, que foi ampliado. A lei aprovada não leva em consideração somente o critério médico para sua definição. “Pessoa com deficiência é aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que podem obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, define o texto do projeto, que tem mais de 100 artigos.
Outra inovação, inclusive destacada por Paim, é o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência que não tenha condições de se sustentar. Pela legislação atual, o benefício é assegurado em  caso de a renda per capita da família não ultrapassar um quarto do salário mínimo. “Entre 6 e 7 milhões de pessoas devem ser beneficiadas”, informou o senador Paim, sobre a extensão da medida.
Também foi assegurado na nova lei o auxílio-inclusão para o trabalhador com “deficiência moderada ou grave” que tenha atividade remunerada, e essa, por sua vez, o enquadre como segurado obrigatório da Previdência Social. Trata-se do benefício de prestação continuada previsto no Sistema Único de Assistência Social (Suas) e será garantido  para quem já recebe o auxílio. Hoje, o benefício é suspenso em caso de o trabalhador arrumar um emprego.
Escolas não podem cobrar mensalidades maiores
A legislação também proíbe escolas de ensino privado de cobrarem mensalidades maiores de alunos com deficiência. O estatuto obriga, ainda, essas instituições a reservarem 10% das vagas nas seleções de ensino superior e técnico. Já na Saúde, estão previstas, entre outras garantias, o uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para a compra de próteses e órteses e proíbe os planos privados de saúde de praticarem discriminação, em virtude da deficiência. A lei estabelece que os planos ofereçam, no mínimo, todos os serviços disponibilizados aos demais clientes.
Durante a votação do projeto, o relator da proposta relembrou que a luta histórica das pessoas com deficiência foi marcada pela incompreensão e pelo preconceito desde o Brasil Colônia. Romário afirmou ter plena consciência de que a Lei de Inclusão Brasileira, “apesar de resgatar a dignidade dessas pessoas e corrigir uma injustiça histórica, não esgota o assunto”. “Hoje é a chance de a gente se redimir de tudo de ruim e negativo que vem acontecendo com essas pessoas, mas novos projetos ainda serão apresentados para aprimorar a proposta e contemplar de forma mais adequada determinados segmentos da sociedade”, prometeu o senador.
O ex-jogador resumiu ainda o objetivo do conjunto de medidas garantido no Estatuto da Pessoa com Deficiência: “O foco, agora, não é mais compensar o que supostamente está errado com a pessoa, mas, sim, corrigir o que está errado com a sociedade, que a segrega por não ser capaz de derrubar as barreiras que impedem sua plena inclusão social.”
Barreiras a serem superadas
Uma das tantas barreiras mencionadas pelo senador e enfrentada por essa parcela da população se refere ao mercado de trabalho. Por esse motivo, a legislação também inovou ao estabelecer que empresas com entre 50 e 99 empregados terão de reservar pelo menos uma vaga para pessoas com deficiência ou reabilitadas. Hoje, a lei estabelece a partir de 100 funcionários. As empresas terão três anos para se adaptarem à nova regra. “Com certeza aumentaram as possibilidades de emprego para as pessoas com deficiência. Isso é avanço”, observou o presidente estadual do Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Coepede), Paulo Kroeff, sobre a medida, acrescentando que ainda não conseguiu analisar detalhamente os mais de 100 artigos da Lei de Inclusão Brasileira.
A Lei Brasileira de Inclusão também contempla direitos em relação à mobilidade urbana estabelecendo cotas de táxis adaptados, veículos de autoescolas  e de locadoras e assegura a proteção das pessoas com deficiência ao prever uma série de punições para quem se apropriar do salário ou cometer maus-tratos.
Além disso, a legislação amplia o acesso das pessoas com deficiência a eventos esportivos e culturais, além do turismo. A partir do estatuto, todos os teatros, cinemas, auditórios e estádios passam a ser obrigados a reservar espaços e assentos adaptados. No setor do turismo, os hotéis também deverão oferecer uma cota de 10% de dormitórios acessíveis. Hoje, esse percentual é de 5%.
Protagonismo priorizado
Assessor especial de Políticas para Pessoas com Deficiência da Secretaria Estadual da Justiça e dos Direitos Humanos, Adilso Corlassoli, que também é vice-presidente do Coepede–RS, destacou que o documento traz o “olhar” da  Convenção das Organizações das Nações Unidas (ONU) em relação aos direitos da Pessoa com Deficiência.Também, de acordo com ele, a lei “incorpora” boa parte das sugestões feitas pelo Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência. “É um trabalho importante para nós, pessoas com deficiência”, frisou Corlassoli, que é cego.
O assessor avaliou que o conjunto de medidas estabelecido no estatuto prioriza o protagonismo dessa parcela população. “Hoje, (o estatuto) vai na direção de protagonismo da pessoa com deficiência, sai da linha de tutela e de assistencialismo”, explicou Corlassoli.
Nesse contexto de valorizar o protagonismo, a legislação amplia os direitos civis, permitindo que pessoas com deficiência intelectual casem legalmente ou formem união estável. Também referenda a cidadania ao estabelecer igualdade de condições da pessoa com deficiência votar a ser.
As principais inovações do estatuto
Ampliação do conceito
– Pela lei, uma pessoa com deficiência é aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que podem obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
Trabalho
– Empresas com 50 a 99 empregados terão de reservar pelo menos uma vaga para pessoas com deficiência ou reabilitadas. Atualmente, o requisito era para empresas com funcionários
– Auxílio-Inclusão para quem exercer atividade remunerada
Saúde
– O FGTS poderá ser utilizado na aquisição de órteses e próteses
– Proíbe os planos de praticarem qualquer tipo de discriminação à pessoa em razão de sua deficiência
– Operadoras de planos e seguros privados de saúde estão obrigadas a garantir à pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos ofertados aos demais clientes
– Atendimento psicológico, inclusive para familiares e atendentes pessoais pelo sistema de saúde público
Educação
– Instituições de ensino são proibidas de cobrar a mais de alunos com deficiência
– Reserva de 10% das vagas em instituições de ensino superior ou profissional
– Obriga o poder público a fomentar a publicação de livros acessíveis pelas editoras
Mobilidade
– Reserva de 2% das vagas em estacionamentos
– 5% dos carros de autoescolas e de locadoras de automóveis adaptados para motoristas com deficiência
-10% dos carros das frotas de táxi adaptados para acesso das pessoas com deficiência
– É proibida a cobrança diferenciada de tarifas ou valores adicionais pelo serviço de táxi prestado às pessoas com deficiência
Moradia
-Reserva de 3% de unidades habitacionais em programas públicos ou subsidiados com recursos públicos
Cultura
-Teatros, cinemas, auditórios e estádios passam a ser obrigados a reservar espaços e assentos adaptado
Turismo
– Cota de 10% de dormitórios acessíveis em hotéis
Inclusão e Cidadania
– É assegurado à pessoa com deficiência que não possua meios para prover sua subsistência nem de tê-la provida por sua família, o benefício mensal de um salário mínimo
– Boletos, contas, extratos e cobranças devem ser em formato acessível
– Direito a pessoa com deficiência de votar e ser votada, em igualdade de oportunidades
– Permite que pessoas com deficiência intelectual casem legalmente ou formem união estável
– 10% dos computadores de lan houses com recursos de acessibilidade para pessoa com deficiência visual

Cadastro
Cria o Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência com a finalidade de coletar informações destinadas à elaboração, gestão, monitoramento e avaliação das políticas públicas para as pessoas com deficiência e para a realização de estudos e pesquisas
Prioridades
Serão garantidas às pessoas com deficiência prioridades na tramitação processual, recebimento de precatórios, restituição do Imposto de Renda, além de serviços de proteção e socorro
Punições a maus-tratos
– Praticar, induzir ou incitar a discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena de 1 a 3 anos e multa
– Apropriar-se ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência: Pena de 1 a 4 anos de reclusão e multa
– Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, abrigos:
Pena de 6 meses a 3 anos e multa
– Reter ou utilizar cartão magnético ou qualquer outro meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinado a recebimento de benefícios, proventos, pensões, remuneração ou para operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida: Pena – detenção de 6 meses a 2 anos e multa.
*Com informações da Agência Senado e da assessoria de imprensa do senador Romário

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