sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

COLUNA JHONATA ALMEIDA: "Pensando Alto"

A vida...
Impressionante como ela nos surpreende, nos prega peças e nos reinventa, e de maneiras absolutamente inesperadas...
Estou em Santana do Livramento, minha amada terra natal, visitando meu irmão por motivos pessoais após ter viajado de moto na chuva e ter chegado aqui quase com hipotermia, e não sabia o quanto ficaria feliz por uma das coisas que me aconteceu, e que vou relatar a partir de agora...
“Jhonata, tem um cara que tu precisa conhecer, vou te levar pra visitá-lo... “ – me disse meu irmão; levou-me então à residência de um senhor que ele havia conhecido há poucos dias de forma casual. Meu irmão me adiantou que ele é advogado, uruguaio de nascimento e fanático por samba...E eu comecei a imaginar um cara nascido no Uruguai e que gosta de um ritmo não tão convencional no país dele...
Fomos recebidos por um sorriso e por um convite para entrarmos. Rapidamente, reconheci a intimidade com as palavras de quem é da área jurídica, mas dessa vez fui cativado por um portunhol característico da fronteira usando os termos profissionais com os quais me acostumei. Gradativamente, notei o prazer que ele demonstrou em estar sendo visitado e em poder contar um breve resumo de seu bonito trabalho como advogado e de suas raízes familiares, como a mãe que tocava violino e piano e o pai que viajava pra longe em virtude de seus negócios.
Inevitavelmente, contei minhas experiências jurídicas e experimentamos um primeiro momento de identificação. Como já era de se esperar, o assunto direcionou-se vorazmente para outro lado: Música... E foi aí que os olhos do experiente advogado brilharam de forma diferente.
Fomos convidados a trocar de sala, e me vi em meio a centenas de discos de vinil e de frente para um toca-discos muito bem conservado. O agora radiante senhor disse que nos mostraria uma canção, e cuidadosamente retirou da estante um disco muito bem guardado, encapado e listado como todos os outros, por ano, faixas, autores e intérpretes, para com muita sutileza encher o ambiente de uma nostalgia incomparável: ele colocou para tocar o samba “Vai Depressa”, de 1963, e nos contou a triste e comovente história que deu origem à canção... Porém começou a acontecer algo ainda mais interessante do que ouvir aquela música: o senhor de 66 anos começou a ser embalado pela canção, batendo o pé e vibrando o corpo no ritmo do samba. Várias vezes parecia reger de verdade a banda que estávamos ouvindo, interagia com o ar movendo os braços e visivelmente se transportou para dentro sua própria imaginação... Falamos de Cartola, Noel Rosa, Emilinha Borba, Nelson Gonçalves (santanense), Jose Messias, Lupicínio Rodrigues... Que coisa linda!
Ver e ouvir tudo isso foi pra mim fantástico. Eu, que vivo de Música, respiro Música e ensino Música, passar pela experiência de presenciar de forma tão clara a paixão deste homem pelo samba me tocou profundamente. Ver toda aquela vida nos olhos, nas vezes em que cantou trechos de sambas pra nós (sempre se desculpando pela “falta de qualidade vocal” que carrega enquanto batucava na mesa) ou quando relatava datas e fatos com impressionante precisão, é quase indescritível.
É esse tipo de coisa que me move. É isso que eu tento passar. Essa é a minha verdade. É isso que amo e isso é a minha vida.
Obrigado, Sr. Cesar Gravier.
Mil gracias pela quantia de vida que o senhor acrescentou aos meus dias e pela beleza desse momento que tivemos, agora eternizado em minha memória.
Que Deus o abençoe e lhe dê saúde para ouvir, cantar e reger esses sambas nesse infinito universo que é composto pela sua paixão, sua memória, suas histórias, sua imaginação, seus sonhos e sua alegria.
Com carinho,
Cabeludo
Jhou Batera //

Jhonata Almeida

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